terça-feira, 23 de novembro de 2010

"Poética"

1
então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refluindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então marcando encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando pelo centro e pelos bairros enquanto as lojas fecham mas ainda estão iluminadas, os loucos discursando pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou, até mesmo a lembrança da noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e mais nosso encontro na morna escuridão de um bar ― hora confessional, expondo as sucessivas camadas do que tem a ver ― onde a proximidade dos corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
TUDO GRAVADO NO AR
e não o fazemos por vontade própria
mas por atavismo

2
a sensação de estar aí mesmo
harmonia não necessariamente cósmica
plenitude muito pouco mística
porém simples proximidade
da aberrante experiência de viver
algo como o calor
sentido ao lado de uma forja
(talvez devesse viajar, ou melhor, ser levado pela viagem,
carregar tudo junto, deixar-se conduzir consigo mesmo)
ao penetrar no opalino aquário
(isso tem a ver com estarmos juntos)
e sentir o mundo na temperatura do corpo
enquanto lá fora (longe, muito longe) tudo é outra coisa
então
o poema é despreocupação.

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